Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

22 junho 2007

O processo divisor do pensamento

- Alô, quem fala?...

- Bom dia Celsão! Sou eu JR!

- Espera aí que já ligo de volta no seu telefone, assim você não paga celular!

- Beleza!

Não levou nem trinta segundos para que ele retornasse a ligação...

- Fala garoto, beleza?

- Na correria JR! Na correria! Que você manda?

- Não mando nada! Só estou querendo dar um retorno quanto aquele site que você me indicou.

- Qual, o realidadeoculta.com?

- Esse mesmo!

- O que você achou?

- Olha cara, sinceridade? Depois de tudo que temos conversado, confesso que não sei o que você viu de excepcional naquele site... Tudo que está ali muita gente já sabe!

- Sério que você achou isso?

- Sim, falo sério! Não vi nada demais, você encontra aquilo em vários lugares.

- Mas o cara mostra tudo!

- Mostra tudo o que, Celsão?

- O cara mostra toda a sacanagem do controle financeiro!

- E você acha que esse é o real problema humano?

- Lógico que é! Vai dizer que o dinheiro não é um problema?

- Não, não acho que o dinheiro seja o causador do problema. Para mim, o problema está no pensamento condicionado em relação ao dinheiro. O problema não está no dinheiro, mas em como o ser humano se relaciona com ele. E, em última análise, o que movimenta toda ação do ser humano é o pensamento. Não vi nada disso naquele site. Ao contrário, o que vi lá é um monte de pensamento das coisas cridas pelo pensamento que faz você ficar cada vez mais preso dentro do sistema de conflito e intriga que instiga ainda mais o processo divisor do pensamento. Para mim isso está ficando mais claro a cada dia que passa. Venho tendo várias experiências que tem me mostrado isso com uma clareza descomunal. Ontem mesmo vivenciei uma das fortes.

- Diga!

- Anteontem fui visitar uma amiga minha que está internada para um tratamento contra o câncer. O caso dela é bastante delicado e confesso que é a primeira pessoa querida que me trouxe a experiência da possibilidade de morte diante dos meus olhos. Nunca lidei com isso antes, portanto, não tenho nenhum script no qual possa me basear. Não tive uma pedagogia voltada para a questão morte, muito mesmo de como interagir com alguém que está passando por um quadro clinico delicado. Para agravar um pouco mais a situação, nunca gostei de entrar em hospitais. Não me sinto bem lá dentro; não sei explicar, acho que é uma coisa de energia...

- Sei como é isso, pois também sinto o mesmo. Mas o que é que isso tem a ver com o pensamento e o processo divisor?

- Calma que já chego lá! Depois você me manda a conta!... Como falava antes, eu estava no corredor do hospital vendo aquele monte de familiares, pessoas na fila da quimioterapia, outras na fila da internação... Aquilo foi mexendo comigo... Foi me dando uma ansiedade... Eu mal tinha identificado o motivo da carga emocional, quando, no final do corredor, sentada numa cadeira de rodas, cercada por três jovens enfermeiras, avistei minha amiga. Sua aparência estava ótima, a pele bem corada, sem o tom amarelado anterior a sua internação. Trazia em seu colo um recipiente plástico contendo soro. Ficou bastante eufórica ao me ver e quando me aproximei, limitei-me a sorrir e beijar sua face. As palavras me faltavam. Ela me apresentou para as enfermeiras como se eu fosse o seu "terapeuta mental". Todos rimos com seu jeito meigo de falar. Logo fomos cercados por seus familiares e outros amigos que também estavam ali para visitá-la. Enquanto ela cumprimentava a todos, percebi que uma das enfermeiras estava com seu olhar fixo sobre mim. Meu pensamento logo manifestou uma fantasia de cunho sexual, o que me causou certo desconforto. Ao perceber a sugestão do pensamento e não alimentá-la, o mesmo pensamento apresentou-se em forma de julgamento: "como você pode ter um pensamento desse tipo diante desta situação. Veja só, sua amiga nesse estado e você tendo esse tipo de pensamento"... Fiquei somente observando, com um olho nos acontecimentos externos e com o outro aqui dentro de mim... Não me identifiquei também com este segundo pensamento. No entanto, se antes eu já me encontrava um tanto travado, depois destes, me senti mais travado ainda. Para me recompor, decidi ser o último a subir para seu quarto onde seria feita a visita. Enquanto estava só, consegui perceber a dinâmica do pensamento condicionado. Como o pensamento não sabe lidar com o novo, com a realidade dos fatos, principalmente com fatos referentes à doença e a possibilidade da dor da morte, busca uma forma de fuga num prazer imediato, no caso em questão, a fantasia do sexo com uma enfermeira. Esse pensamento é um reflexo das fantasias armazenadas na memória dos tempos de adolescência colhidas das revistas, filmes, conversas entre amigos e presentes também no inconsciente coletivo masculino. Natural que se manifestassem para serem expostas à luz da inteligência que vê o falso, ou então, o que é mais comum, para darem alimento ao processo do pensamento condicionado compulsivo. Uma vez exposta à observação, pude rir de mim mesmo, recompor meu astral e esperar pelo meu momento de visita, a qual foi muito gratificante para ambos. Também pude perceber, através da minha própria rejeição deste tipo de pensamento, o quanto que a questão sexual é reprimida pela moralidade social. Se eu tivesse tido pensamento de fumar um cigarro (como fazia o marido de minha amiga), ou em comer um chocolate (como o fez o seu filho), será que eu teria reagido ao pensamento da mesma forma? Claro que não, por que o cigarro e o chocolate estão dentro do script social aceitável. Faz parte da hipocrisia burguesa. Não estou fazendo apologia ao sexo livre, apenas observando o processo divisor do pensamento. Você está me acompanhando?

- Claro, continue!

- A observação da ação do pensamento impediu a manifestação do processo divisor, que impede a manifestação de uma verdadeira intimidade comigo mesmo e conseqüentemente com os demais.

- Faz sentido.

- Mas o que pegou mesmo foi ontem à noite...

- Que foi?

- Eu estava numa roda de amigos tomando um café filosófico narrando este acontecimento com o intuito de mostrar todo este processo divisor do pensamento. Na roda havia só homens e bem atrás de nós, estavam as mulheres, entre elas, minha esposa que acabou ouvindo o que eu falava para eles. Sua reação condicionada foi imediata: medo, insegurança e ciúme. A narração do meu processo divisor do pensamento foi de encontro ao fundo psicológico dela, o qual se manifestou instantaneamente dando vida ao seu próprio processo divisor do pensamento. Pela maneira que se comportou com seu silêncio, seu olhar e o evitar maior proximidade no caminho de volta, percebi que ela estava enciumada com o que eu havia falado. Veja só que louco! Veja como o processo divisor do pensamento se auto-nutre através das relações... O fato de perceber seu ciúme foi de encontro ao meu fundo psicológico que também se manifestou em forma de medo de ser controlado e você sabe qual foi o resultado?

- Não faço idéia!

- Acabamos dormindo cada um para um lado da cama, com um tímido beijo de boa noite! Isso foi o suficiente para o meu pensamento (e também o dela) impedir que o sono se manifestasse... Era como se eu tivesse um aparelho de MP4 Player de última geração instalado em meu cérebro: imagens, sons, diálogos, monólogos... Tudo numa sucessão ininterrupta... Levei uma baita surra do pensamento... Cada um virado para o seu lado com os seus medos, ansiedades, com suas buscas de segurança psicológica... Percebeu?...

Agora lhe pergunto: qual a diferença do que ocorreu conosco e o que ocorre com os grupos que detém o poder financeiro no planeta? Não estariam eles também dormindo cada um do seu lado sem se importar com a realidade interna do outro? Então? Qual é o real problema? A divisão que o dinheiro produz ou o processo divisor que o pensamento produz?

- Não sei não! Preciso pensar!

- Então vou desligar para você pensar numa boa e não fazer com que a sua preocupação com o valor da conta de telefone divida seu raciocínio lógico. É preciso bastante energia para ver isso em sua totalidade. Depois que digerir isso, passe aqui para um café. Desta vez, segundo o "protocologo de Sião" que consta daquele site, a conta é minha! Até mais! – Risos.

Personalidades ou Princípios?

Eu estava sentado sobre a sobra da pequena árvore, contemplando a profundidade dos olhos castanhos do meu pequenino cão por detrás do portão de casa, quando fui abordado pelo Sr. Pitágoras. De físico franzino, com um surrado boné sobre os longos cabelos brancos, a barba mal feita e as duas mãos em seus bolsos dianteiros, exclamou:
- Bom dia JR!
- Bom dia Sr. Pitágoras! Fazendo sua caminhada matinal ou buscando inspiração para seu novo livro?
- Creio que os dois ao mesmo tempo. Como vão as coisas com você?
- Em busca de paz e de alguns trocados, como sempre!
- Estive pensando na nossa última conversa. Sei muito bem da sua oposição em estudar a biografia dos "homens que aparentemente deram certo". No entanto, estou acabando de ler aquela biografia do Krishnamurti, escrita pela Mary Lutyens, daquele livro que você me emprestou. Se me permite, com todo respeito e apreço que tenho por você, sugiro que repense sua postura. Creio que se você a ler poderá entender muitas coisas, como a influência das pessoas que estavam ao lado de Krishnamurti e que o levaram a obter tal conhecimento. Acho mesmo fundamental conhecer o processo de formação psicológica desses grandes pensadores. É só uma singela sugestão – afirmou com um tom visivelmente acanhado.
- Agradeço sua colocação. No entanto, continuo mantendo minha postura. Não vejo sentido nisso. Acho pura perda de tempo e energia.
- Acha mesmo?
- Sim!
- Poderia me explicar melhor o porquê desse ponto de vista?
- Vejamos... Quando o carteiro toca a campainha da sua residência com uma carta em suas mãos para ser entregue aos seus cuidados, o que o Sr. faz? Recebe-a prontamente e com gratidão ou solicita do carteiro um livro com a sua biografia? O Sr. precisa conhecer os motivos que o levaram a escolher a profissão de carteiro para poder receber a carta? O Sr. pergunta para ele sobre a influência que ele sofre dentro do seu local de trabalho por parte das pessoas a quem está subordinado?... O que é de essencial interesse para o Sr.: o carteiro ou a carta?...
Ele retirou sua mão direita do bolso, levou-a até o queixo, levantou seu olhar para o céu e balançou levemente a cabeça. Logo a seguir, voltou-se para mim, colocando novamente sua mão no bolso direito exclamando:
- Ainda penso que você deveria estudar a biografia desses homens. Pense nisso! Já estou quase terminando a leitura do livro. Assim que terminá-la lhe devolvo o mesmo.
- Por favor, sinta-se a vontade, não tenho pressa. Sei que está em boas mãos!
- Tenha um bom dia!
- Passar bem!
Depois de se despedir, continuou sua caminhada com seus passos delicados e de forma bastante reflexiva. Enquanto eu observava sua silueta sumindo ao longo do caminho, perguntas passavam pela minha mente:
O que mais importa? A mensagem ou o mensageiro? O princípio ou a personalidade? Porque nos dedicamos a estudar a vida de outros homens e mulheres ao invés de dedicarmos tempo e energia no estudo de nossa própria vida?...
A "Impessoalidade" da mensagem traz em seu anonimato a essência da energia.

18 junho 2007

Quem é o você que pode libertar você de você mesmo?

The creation of contemporaneous Adam

- Então, JR? Vim para aquele café filosófico da tarde? Pode ser!
- Opa! Já não estava combinado! Vamos nessa! E aí? O que fluiu da conversa de hoje cedo?
- Nem te falo! Minha cabeça saiu a mil daqui, JR. É muito louco o que esse tipo de conversa faz com a mente... Saio daqui com a mente a dar reviravoltas... É como se as células cerebrais estivessem brigando uma com as outras.
- Faz sentido! Arrisco a dizer que a célula cerebral que se desinfetou do condicionamento através da observação é sistematicamente bombardeada pelas demais células que não querem se entregar ao novo paradigma apresentado. Gosto de ver o processo de limpeza do cérebro por esse prisma.
- O cérebro começa a mandar informação de que vamos acabar enlouquecendo se continuarmos dando vazão a essa linha de observação. Ás vezes vem na minha mente uma percepção de que esse lance de exterior e interior é tudo balela, de que não existe essa separação entre os dois, que isso é mera ilusão.
- Tudo que você está vendo aí no externo... Hoje ainda existe para mim essa divisão, não posso ser hipócrita e dizer que ela não existe... Tudo isso que está aí no externo, para mim, é manifestação da mente...
- Só que aí vem o pensamento...
- Para mim começa tudo na Mente... Seja dessa Mente que não mente, como dessa mente que mente devido aos seus condicionamentos...
- Tem as duas mentes não é JR?
- A Mente depurada do condicionamento e a mente maculada pelo condicionamento do pensamento compulsivo. A Mente não mente. Mas, essa mente corrompida pela ação do pensamento condicionado, compulsivo, interesseiro, egocêntrico, calculista, exclusivista... Essa mente, mente!
- E é essa que a gente tem que se livrar dela, não é?
- Entre aspas, "temos que"! Mas não vai ser nós, através do pensamento condicionado que vamos fazer com que ela deixe de se manifestar. Talvez, através dessa observação sem escolhas a gente possa se libertar dela. Talvez, através da observação, possa acontecer algo que não provem dessa mente que mente, mas sim, dessa outra Mente.
- Como pode haver certeza disso?
- Quem faz essa pergunta agora mesmo é essa sua mente mentirosa que quer segurança na ação. É tudo mentira de uma mente irada!... A gente precisa estar bem atento pois enquanto tiver o desejo de ter que se livrar dessa mente, o próprio desejo e o "ter que" são formas de novos condicionamentos, sacou?
- Faz sentido!
- è o desejo de segurança, que é o próprio pensamento!
- Sim, o pensamento corrompendo!
- Sim, é o danado!... Quando o pensamento cria o desejo e o condicionamento do "você tem que" ele já vem com mais uma forma de condicionamento através da pergunta: "como posso me livrar do pensamento?"
- Sim, a palavra "como" já limita à uma forma padronizada que não dá liberdade de ação.
- Isso mesmo! Fico contente que estamos nos comunicando de boa!... O pensamento começa a dar vida a si mesmo perguntando-se "Como é que eu faço para me libertar do pensamento compulsivo condicionado?"... Aí ele fica rodando feito cachorro atrás do próprio rabo e nunca vai conseguir encontrar a resposta por que ele, em si mesmo, é limitado. Falta inteligência... Como ele não tem inteligência em si mesmo, trata logo de procurar por um método... E assim dá continuidade para a sua escravidão... Continua dando vida ao "você"... "Você" acha que "você" mesmo vai acabar com esse "você" que "você" chama de "eu" de "ego"... O que é "você"? O que é isso que você chama de "eu"?
- Sou o acumulo de memória das experiências com as quais me identifico como sendo eu!
- Show! Hoje você está afiadíssimo! Está dando liga na conversa!
- Já saquei isso... Quando me perguntam por "quem é o Celsão", eu vou lá na memória e começo a dizer que sou fulano de tal, nascido na data tal, no país tal, filho de tal e tal pessoa e por aí vai... Nunca respondo quem eu realmente sou aqui e agora e não faço isso, porque realmente não sei! Estou condicionado a me identificar com esse arquivo morto do passado!
- Pois é! Identificamos-nos com todo esse arquivo morto de experiências e são exatamente elas que nos impedem de olhar com propriedade para o aqui e agora... Tudo arquivo morto! Nos identificamos com nosso arquivo morto e não com aquilo que é eterno que está aqui no eterno agora... Esse "você" acha que por "você" vai conseguir acabar com esse "você"...
- Não vai não é JR? Isso é muito louco JR!
- Então, esse "você", que é pensamento condicionado, essa idéia que você tem de você, que é um resultado do seu arquivo de memórias, das experiências do passado, vê que esse "você" tem que desaparecer... Aí então, esse "você" começa a pensar numa metodologia capaz de fazer com que esse "você"...
- Desapareça!... E aí vem tudo aquilo de novo não é?
- O "você" que é pensamento entrou pela porta dos fundos dando vida a si mesmo! E assim o ciclo compulsivo do pensamento condicionado nunca chega ao seu fim!... O pensamento condicionado vem e começa a perguntar se a vida é só isso, se não estamos fazendo exigências descabidas de nós mesmos, se não temos que nos conformar com o que está ai e por ai vai toda... São inúmeras as formas de racionalização, de masturbação mental que o próprio pensamento condicionado cria para dar continuidade a si mesmo... E assim a gente deixa de viver o que é por estar preso no cabeção atrás de respostas para conseguir acabar com o "você mesmo"... O que faz com que essa inteligência maior possa ser despertada.
- Cara, isso parece papo de maluco! Será que é isso que as pessoas chamam de reencarnação? Você não compreendeu sobre si mesmo e aí volta, volta e volta?
- Acho que isso é encanação! – Risos
- Isso muito louco JR... Eu assisti aquele filme que você me indicou, "O Poder Além da Vida", umas quatro ou cinco vezes. O filme é fantástico e é filme para ser estudado mesmo. Tem muita coisa embutida lá, que se a mente não estiver quieta você acaba não pegando.
- Sem dúvida!
- O filme mostra que tudo é muito simples, que tudo está na simplicidade e é justamente por ser tão simples que a mente acaba achando que é complicado.
- Celsão, pelo que eu compreendi até agora, o grande lance é só observar!... Mas a mente condicionado vem e exige que se faça mais alguma coisa...
- É verdade, é assim mesmo! Ela fala que tem que ler alguma coisa, quem te que se freqüentar algum lugar, que tem que, que tem que e que tem que algo mais e mais... Olha, se você ficar sozinho com esse papo de observar, você vai acabar pirando! Você não acha que é muita prepotência da sua parte querer resolver sozinho seus problemas somente através desse papinho de observação sem escolhas?... É assim mesmo que ela funciona!
- É uma eterna busca por mais condicionamentos...
- Pois é JR! Eu vejo minha mente falando que eu preciso de uma religião, de um pastor, de um Deus, de muito conhecimento... Que eu preciso de alguém que me salve de mim mesmo!
- Que bom que você está vendo isso!
- Cara, é coisa de xarope! Mas é isso mesmo... Eu fico só olhando... Ontem sai para fazer aquilo que o Krishnamurti falou...
- Não, você não vai fazer o que o Krishnamurti falou, você vai sair para fazer aquilo que você olhou e viu que faz sentido... Krishnamurti é só um espelho...
- Faz sentido mesmo!
- Se você vai fazer isso porque o Krishnamurti falou, então você está atrás de um método...
- Não JR, não estou atrás de um método, é que faz realmente sentido o que ele falou...
- Então é seu! Não é do Krishnamurti aquilo que você viu! Foi você quem viu através do "passaporte" que trouxe essa coisa, que te trouxe a bem-aventurança... Aí você, que está condicionado a se relacionar com imagens, com ídolos, pega a imagem do Krishnamurti, pega esse passaporte de nome Krishnamurti e fala que vai fazer aquilo que o Krishnamurti falou... Sacou a insanidade? Tem que ir além do passaporte... Que é essa energia amorosa, criativa, que é essa Mente que não mente, que não traz nenhuma espécie de conforto... Mais não! A gente se identifica com o passaporte chamado Krishnamurti e assim nos mantemos presos nesse constante hábito de formação de imagens, de ídolos, de deuses...
- Cara, isso é muito louco e parece que cada vez que a gente avança mais, mais louco ainda fica!
- Isso faz com que a gente fique mais perceptivo, mais sensível... Enquanto você não chega aqui, sua vida não tem qualidade. Você não tem olfato, visão, paladar, audição... Tudo isso é usado de forma fragmentária... O pensamento rouba tudo... Você não vê nada do que está acontecendo, você não ouve nada do que está acontecendo... Você é um moribundo, um morto vivo! Você não tem real contato com nada... É um automatismo total! Um robô funcionando no automático, como se fosse um computador programado por vários softers instalados por estranhos. Não consegue sair da limitação das palavras e das imagens...
- Pois é, nunca estamos presentes!
- Em outras palavras, por não estarmos no presente, não podemos ser um presente para este mundo. Que presente que estamos sendo? Um presente ou um estorvo? Se continuarmos assim, seremos um presente para este mundo assim que morrermos... Um a menos para dar continuidade ao processo divisor do pensamento. É um a menos para condicionar!
- E não adianta falar por que a maioria não escuta. Cara, como é difícil tentar passar isso para as pessoas... Elas dão risada, tiram sarro, fazem piadinhas, falam que estamos filosofando, que queremos ser filósofos...
- E qual é o problema de optar por ser filósofo? Você já pegou o dicionário para ver o significado dessa palavra? Filósofo é aquele que procede sempre com sabedoria e reflexão, que segue uma filosofia de vida; aquele que vive tranqüilo e indiferente aos preconceitos e convenções sociais... O que pode haver de problemático nisso? Para mim, isso é uma verdadeira benção! Deixe-me perguntar: você não vê um sentido lógico em tudo isso que estamos conversando e vivenciando?
- Claro! É um troço louco e os caras não entendem mesmo!
- Daí dá para entender o por que desses grandes pensadores colocarem as coisas através de parábolas ou de fórmulas... Como dizia Paulo de Tarso , "todos dormem, todos dormem"... A limitação da mente condicionada das pessoas não deixa que as mesmas vejam o novo paradigma... Por melhor que o cara use a palavra, o fundo psicológico recusa a palavra. E cérebro não capta! Isso é fato! Em outras palavras, todos esses grandes passaportes da humanidade quiseram dizer uma só coisa: tudo é falso! Tudo isso que vocês estão vendo não é o que é.
- Que louco!... É muito louco esse processo! Dá um nó na cabeça!
- Que nó, que nada! Não tem nada de nó!... O que se passa é que as suas células cerebrais estão sendo chacoalhadas, é uma lavagem cerebral, um demolir de uma zona de conforto. Na zona de conforto você nunca vai ver nada! Agora, se você chacoalha tudo, se você pega o seu guarda-roupa, com tudo que está lá dentro amontoado, tomba-o no chão, o que acontece?
- Vira a maior confusão!
- Para você encontrar uma determinada peça demora... Mas ai quando você começa a arrumar novamente o guarda-roupa começa a perceber através da observação, que várias peças que estão guardadas ali dentro já estão com o prazo de validade vencidos, já não estão em uso, fora de moda e que precisam ser jogadas fora para dar mais espaço vazio e tornar o movimento mais rápido e fácil. Pode ser um exemplo bobo...
- Nada cara! Faz todo sentido! Precisa jogar fora mesmo! Nem serve para ser doado para terceiros!
- Quando essas conversas parecem que estão dando nó na mente, na realidade, não estão dando nó: estão desfazendo o amontoado de nós existentes nesse novelo chamado cérebro. As células que estão guardando um monte de condicionamentos com seus prazos de validade vencidos estão sendo chacoalhadas, atiradas ao chão... Percebe? Tem lógica ou não?
- Sim!
- Só que a lógica precisa morrer... É preciso ir além da lógica, pois a lógica é limitada. Lembra-se do filme "O Último Samurai?"... O Katsumoto é a representação da lógica. A lógica precisa morrer para a manifestação do último imperador: a inteligência criativa. É a lógica que estuda o inimigo! Enquanto tem a lógica, tem sempre limitação, separação, dualidade!
- Sim, a lógica é limitada, para mim isso é um fato! Ela é limitada pelo tempo e pelo conhecimento. Isso dá um nó na cabeça!
- Desata os nós dessa sua mente cheia de nós! O que acontece é que em cada conversa dessas, a cada observação você desata um nó! O conflito está na guerra entre as células... A energia quer fluir, mas as células querem bloqueá-la... Só quando alógica morre, pode haver perfeição... Isso fica claro no filme! Essa é a última frase do Katsumoto: tudo é perfeito!
- É mesmo! Faz sentido! São as células cerebrais condicionadas que bloqueiam a manifestação dessa energia criativa... Vamos precisar de mais uns quatro ou cinco cafés filosóficos para entender isso melhor!
- Está vendo só? Lá vem seu cabeção criando a necessidade do tempo psicológico para a compreensão do que é! Será que não dá a para a gente ver isso instantaneamente?
- Pode crer, a própria palavra "instantaneamente" já diz tudo... Não dá espaço para tempo, que ocorre ou surge sem ser previsto; repentino, inesperado.
- Então, subitamente devo-lhe dizer que não tenho mais tempo para dar continuidade a esta nossa conversa!
- De boa JR!
- Vamos nessa?
- Hoje valeu o café!
- Amanhã é meu!
- certo!

17 junho 2007

Sou fera ferida

Se há uma coisa a qual sou realmente alérgico essa coisa é o controle. Não suporto a mínima tentativa de controle sobre mim.
Quando isso ocorre, me transformo: o que há de pior em mim vem à tona com tamanha intensidade que chega a me causar medo.
A fera se apresenta.
Meu olhar, respiração e cérebro se comprimem e a única vontade que sinto é a de agredir o controlador, não fisicamente, mas sim, emocionalmente, com o intuito de me defender...
Vejo que sempre foi assim, desde a minha infância.
Parece que isso faz soar lá dentro, no mais profundo de minha memória, as frases e atitudes insanas dos abusadores da minha infância, adolescência e juventude...
Nunca permitiram ou incentivaram que eu fosse eu mesmo. Sempre a tentativa de fazer de mim o que não sou, sempre a retaliação, o boicote, o castigo, o abuso físico e emocional, os gritos, a reformação, que erroneamente chamavam de educação.

Sempre a repressão diante dos meus desejos, pensamentos e sentimentos. Nunca a mínima expressão de validação, de apoio e confiança...

E tudo isto ocorreu numa época em que eu não tinha condições de me defender emocionalmente...

Essa vulnerabilidade, essa impotência diante dos abusos e do controle causou-me enormes feridas que levaram anos e anos para cicatrizarem e, quando hoje, algum "infeliz" tenta tocar nessas cicatrizes, a fera prontamente se apresenta... Uso a palavra "infeliz" por que somente uma pessoa infeliz pode fazer uso dessa infeliz atitude que tanta infelicidade produz.

E como é doloroso ver a manifestação interna dessa fera ferida, com seus urros em forma de pensamentos, sua frieza, seu olhar cerrado soltando chispas de fogo juntamente com cada palavra devidamente articulada...

A fera só silencia quando vê o agressor acuado, arcado em seus medos e emoções descontroladas...

E quando isso acontece, a fera ferida dá lugar à outra fera: a culpa.

Esse insano mecanismo tem ocorrido comigo por anos. Um misto de paixão e ódio...

Nesses momentos de insanidade animal, os pensamentos disparam de tal forma, que tudo que está em volta desaparece, o agora escapa entre o eco das palavras e o que se apresenta é uma torrente de imagens e sons do passado projetando-se num futuro imaginário que faz o presente submergir... Um verdadeiro tsunami emocional...

Minha reação natural é de fugir das garras do controlador que tenta me manter cativo.

Prefiro a solidão do que a morte em vida por novamente me permitir ser fera ferida encarcerada somente para fazer média diante do público...

Isso nunca mais!

E que se torne público!

15 junho 2007

A Falácia da Propriedade Intelectual

Por causa da greve do metro, o fluxo de carros hoje estava bem mais acentuado, o que aumentou em muito o barulho produzido pelo trânsito. Eu ainda estava abrindo o toldo da loja, quando do outro lado da rua, em sua montain bike, com o sorriso de sempre, avistei meu amigo Celso.

- JR, estou ficando louco!

- Mais?

- Sério cara! Desculpe voltar aqui novamente... Você deve estar ficando de saco cheio de mim, no entanto, não tem com que conversar sobre o que está passando na minha cabeça. Se eu falar em casa, é sanatório na certa!

- Pegue aqui a chave de casa e guarde a bike lá em cima na sacada para que possamos conversar melhor. Enquanto isso, acabo de arrumar a loja.

- Belê!

- Então? Que se passa nesse cabeção?

- Cara, meu cérebro não serve para nada mesmo! Estou ficando maluco... Desde ontem que já não estou sabendo quem eu sou. Percebi que não sou aquilo que eu penso que sou; é tudo imagem! Cada hora é uma imagem e olha que são mais de cinqüenta... Quando comecei a constatar isso me perguntei: e agora?

- Que foi? Te deu medo? Qual?

- Um puta medo de acabar sozinho e ainda por cima, louco! Parece que tudo aquilo que conversamos, tudo aquilo que eu li nos textos do Krishnamurti, fez com que as minhas muletas fossem estilhaçadas... Cara, sinto que tudo que colhi até agora não serve para mais nada! Sinto-me nu! Despido da imagem de mim mesmo! Estou em pânico! Cara, isso é muito louco!

- Lembra-se do filme "O Poder Além da Vida", quando o cara fica sem as pernas? É isso aí que está acontecendo com você!... Você não estava em busca da Verdade? Está preparado mesmo? Agora é que eu quero ver! Vamos ver se você tem mesmo a coragem de abrir mão das imagens que você mantinha de você mesmo que de certo modo lhe proporcionavam uma idéia falsa de segurança. Agora é que eu quero ver se você é mesmo homem de saco roxo!

- JR, agora estou entendendo por que é que as pessoas usam as frases "quebrou as minhas pernas!", "Chutou o pau da barraca!" Agora isso faz sentido para mim!... Cara, ontem à noite eu comecei a ficar com um puta medo... Começou a me dar uma pressão na mente, uma dor de cabeça, parecia uma pressão vinda de um vácuo total... Mal consegui dormir esta noite... E acordei numa excitação sexual animal... Não parava de vir a vontade de me anestesiar com a prática do sexo compulsivo... Vim para cá numa loucura total, no maior "olhar de radar", me anestesiando nos "tragos visuais"... Você me entende?

- Sei muito bem o que é isso! A dor é tanta que eu preciso de alguma forma de prazer imediato! No momento do prazer a gente se esquece, pelo menos momentaneamente, de nós mesmos, do que se passa em nossa realidade sombria. Por isso que o sexo se tornou tão importante para nós...

- Só que dessa vez não alimentei não! Fiquei só olhando para a excitação, para as sugestões da mente... Só não consegui deter o "olhar de radar"... E tem mai JR... Parece coisa do diabo, por onde passava, só aparecia diaba na minha frente... Cada diabona! Se fosse em outras épocas... Batata! Já estava dentro! Você sabe o que é isso?

- Encontros quase que telepáticos, diabólicos!... Isso é freqüência, é energia! É como ondas de rádio! Se você fosse viciado em drogas, com certeza, você iria se deparar com usuários ou fornecedores pelo caminho até aqui!

- faz sentido!

- É bem assim que o pensamento condicionado funciona... Bateu o medo, busca logo por algo para anestesiá-lo... No seu caso, o sexo compulsivo.

- Esse medo, JR, é natural não é mesmo? Mas ele pode sumir não pode?

- Por que você acha que sou eu que tenho que dar essa resposta? Por que você pergunta para mim? Não seria o próprio medo que está fazendo com que você me faça essa pergunta?... Você disse que está sem todas as suas muletas, mas a muleta do sexo você deu um jeito de guardá-las em segurança, não deu?

- Só por hoje, já te disse que não estou preparado para mexer com isso! Acho que se eu começar a mexer com isso, aí sim é que eu vou parar num sanatório?

- Por que você tem tanto medo de mexer com isso?

- Com o que? O sexo?

- Sim! Por que o sexo é tão importante para você?

- Sei lá cara! É uma das poucas coisas que me preenchem com prazer! O resto já não faz sentido! Com ele eu esqueço meus medos e me sinto momentaneamente num estado de plenitude!

- Mas você já viu que isso também é falso, não viu? Acabou o efeito do gozo, a realidade fica de frente com você numa proporção muito maior... Não percebeu isso ainda?

- Não dessa maneira! Mas já constatei que por vezes, o vazio fica muito maior!... Cara, que coisa louca!... Que medo é esse, JR? Comecei a ter medo, medo, medo, medo... A coisa foi aumentando como nunca antes... Pensei atém que fosse o que chamam de síndrome de pânico! Nunca fiquei assim antes! Tudo que eu pensava fazer, logo vinha o pensamento e dizia que não iria adiantar... Vai fazer o que? Vai comer? Não vai adiantar!... Vai assistir um filme? Não vai adiantar?... Vai se masturbar? Não vai adiantar!... Vai sair agora a noite, nessa hora, atrás de mulher? Também não vai adiantar!... Vai atrás dos seus velhos amigos? Também é falso, não vai adiantar!... Vai correr para o colo da mamãe? Também não vai adiantar!... E aí? O que você vai fazer?... Comecei a olhar para tudo isso e começou a me dar um puta desespero, uma pressão ferrada na cabeça, bem aqui dos lados! Comecei a ficar com medo de ter um AVC...

- Qual era o medo?

- Medo de ficar sozinho!... Medo de ficar sem nada, medo da solidão! Medo de ficar só, sem ter onde me segurar?

- Então, na real, será que você não tem medo de ficar livre?

- Acho que no fundo eu tenho esse medo! Sei lá! Está tão confuso aqui dentro que eu não me arrisco a dizer que saiba alguma coisa por mim mesmo. Ontem à noite, teve um momento em que minha cabeça me bombardeou dizendo que eu não passo de uma cópia barata dos outros, que eu sou uma pessoa de segunda mão, uma espécie de bonequinho em série...

- Nosso pensamento condicionado é mesmo uma merda... Ele faz uso até do novo paradigma para que você passe a se detonar, para que você continue nesse processo de se fragmentar! Percebe?

- Acho que não com tanto clareza como você o vê... Ontem o pensamento ficava falando que tudo o que eu tenho é falso, interesseiro, mercadoria de segunda: pais, família, nome, prestigio, namorada... Tudo um jogo de interesse mútuo para obter a idéia da pseudo segurança. Você está me compreendendo? Está acompanhando o raciocínio?

- Claro! No fundo, é isso mesmo! Tem sempre um interesse escondido por baixo da manga! É sempre um interesse velado, mas ele está lá! É que ninguém quer ver isso com propriedade! Faz parte da cultura, da hipocrisia burguesa!

- Muletas cara, muletas! Todo mundo ama uma muleta... Deveria até existir uma religião chamada "muletanismo"... Esse é o grande deus de todos nós: as muletas! Na real, ouso dizer que amamos mais as nossas muletas do que o próprio Deus, se é que ele existe ou então, não seja mais uma das muletas.

- Cada um com as suas muletas!... E são tantas as muletas!... Tudo por falta de coragem para sentar com os próprios medos! Só os coxos precisam de muletas!

- Pois é cara! Esse puto do Krishnamurti estilhaçou as minhas muletas!... E agora? O que é que eu faço? Confesso que estou sem chão.

- O processo é assim mesmo! No começo é difícil mesmo e o pânico é natural. No entanto, se você for sério e perseverante, vai descobrir um modo de vida dotado de uma liberdade sem palavras. Tem muito mais liberdade!

- Você fica livre?

- Está vendo? Esse é o seu medo novamente perguntando, ele quer certeza, garantia, segurança...

- É foda! Parece uma baita piração, que vou acabar louco a qualquer momento!O cabeção fala um monte de coisa!

- Celsão, isso é uma lavagem cerebral! Fica frio! Deixa a mente ficar limpinha!...

- Cara, a coisa está tão forte que agora fico o tempo todo querendo saber o que na realidade significam as palavras... Tenho procurado prestar atenção em tudo que se passa comigo no decorrer do dia: como ando, como respiro, como me alimento, como me relaciono com as pessoas... No olhar das crianças e dos adultos... Nas pessoas dentro da condução, na fila do banco... Aí começam as palavras...

- O que tem as palavras?

- Parece que todas as palavras pedem para que a gente fique distante da dor e da mente. Já percebeu isso?

- Explique-se melhor.

- Pegue a palavra "pressentimento"...

- Sim! O que tem ela?

- De onde que vem essa palavra? O que ela realmente quer dizer?

- Segundo o dicionário, é um sentimento intuitivo e alheio a uma causa conhecida, que permite a previsão de acontecimentos futuros...

- Cara, divide a palavra... pre+sente+mente... Aquilo que vem antes da mente... Sacou? É um estado onde não entra o tempo... É o agora! Sacou? Você se lembra do filme "O Último Samurai"?... Lembra-se da cena em que o menino fala para ele sair da mente e aí ele começa a ter uma visão exata dos movimentos futuros da luta?

- Sim, lembro-me! Justamente...

- Então!... Olha só para essa palavra que você acabou de falar...

- Qual?

- "Justamente"... Ela vem da palavra "justapor", que significa "por de lado", ou seja, por a mente de lado, ajustada... Sacou?

- Faz sentido!

- Ai veio outra palavra na mente: "nascimento"... nascer+pensamento...

- Vai ver que é por isso que todos nós choramos quando nascemos... Deve ser um pressentimento de que vamos sofrer por causa dos pensamentos! – Risos.

- Você já viu quantas palavras terminam com "mente" e com "dor"? Parece que existe uma inteligência que faz uso das palavras para assinalar a necessidade de se compreender a dor e a mente... Olhe para a palavra "observador"... observa+dor... Cara, parecia que eu ia pirar! As palavras começaram a passar pela minha mente numa intensidade e clareza como nunca antes! A clareza era tanta que me deu até medo! Por isso que vim aqui! Sinto que vou pirar!

- Você pensa isso ou pressente?

- Eu penso!

- Menos mal!

- Cara, como ficar livre dessa mente?

- Não creio que o problema esteja na mente... Acho que o problema está no "cérebro" que está em boa parte condicionado. O problema está no instrumento, no mecanismo que é usado pela mente. O cérebro é o instrumento pelo qual essa mente se manifesta, funciona. Como as células cerebrais, onde está armazenado todo o nosso arquivo morto da memória, estão embotadas, a mente não pode se manifestar de modo saudável. A mente não tem como funcionar com clareza por causa do instrumento que está desgastado, embotado, maculado pelo pensamento condicionado.

- Faz sentido!

- Uma coisa é a mente, outra o cérebro. A mente não é essa coisa corpórea, esse conjunto de energia condensada... O cérebro é o instrumento através da qual a mente pode se manifestar. No entanto, como esse instrumento que é o cérebro está desgastado, embotado, maculado, a mente não tem como se manifestar com toda a sua intensidade. Um machado que não está afiado não pode produzir o mesmo resultado que um machado afiadíssimo.

- Faz sentido!

- Como as células do cérebro não estão inocentes, a mente não funciona com toda a sua totalidade e é por isso que falam que a doença é mental. A mente é pura, as células cerebrais é que estão sujas. O instrumento é que está deturpado, desgastado!

- Entendo!

- Se as células cerebrais forem renovadas, a mente então, pode funcionar em sua totalidade. Um machado afiado faz o mesmo trabalho com menos gasto de energia e tempo. O mesmo machado sem estar afiado exige muito mais energia e tempo. Percebe?

- Sim!

- Por isso que essa lavagem cerebral é importante! A sociedade acha que lavagem cerebral é algo pernicioso. De fato é!... Pernicioso para a continuidade do modo operante da sociedade, uma vez que um homem que sabe usar sua mente, não pode jamais ser controlado. O cérebro precisa estar renovado para que a mente possa funcionar "naturalmente", ou seja, de forma natural, em sua origem que não está no tempo e que, portanto, não possui condicionamento. Hoje, a mente está doente, por que o instrumento pela qual ela se manifesta está sujo, contaminado.

- Faz sentido! Como o cérebro está cheio com o arquivo morto de conhecimento, não tem como a mente passar sem ser infectada, não é isso?

- Creio que podemos nos expressar dessa maneira! Em outras palavras, um copo sujo pode fornecer água limpa?

- Lógico que não! Não tem como se manifestar a água limpa!

- Exato! O que se manifestar vai estar contaminado pela sujeira do copo, que é o pensamento, que é memória, imagem, armazenado nas células cerebrais. Fica tudo retido nas células da memória. Fica então a pergunta: por que o cérebro tem essa necessidade de reter? Por que não ocorre um fluir? Por que é que o cérebro quer reter o que está se manifestando e de identificar como se fosse algo "seu", produto do "eu", do "meu"? Por que ele acha sempre que foi o "eu" que manifestou o não-manifesto?

- Essa me parece ser a própria essência do ego, não é JR!

- Por que essa energia manifesta não pode continuar no anonimato? Por que o eu tem essa mania insana de querer se apropriar da manifestação?

- Por causa que busca por segurança, poder e prestigio, não é isso?

- Por que não pode deixar de existir essa identificação do "eu", do "mim", do "meu"? Por que não pode ser apenas o fluir dessa energia anônima? Por que essa mania de "propriedade intelectual"? A energia se manifesta através deste passaporte com um nome e o "eu" vem e logo se apropria como o mentor intelectual da manifestação... Por que isso? Isso não veio de graça? Por que não dar de graça?

- Entendi! O eu quer se apropriar da manifestação dessa energia, quer se dizer como proprietário intelectual da mesma para poder organizá-la como tal e finalmente mercantilizá-la!... Que doideira JR!

- É que dessa maneira o "eu" consegue se reforçar! Isso faz com que a imagem do "eu" seja reforçada, tanto para esse passaporte como para os demais que também vivem de imagem! É por isso que eles inventaram os "direitos autorais"... Busco segurança no direito autoral por que sei que eu por mim mesmo não tenho capacidade de manter esse fluir... Ele pode acabar, então, tenho que garantir o que veio agora!...

- Então, deixe eu ver se eu entendi... O cara teve uma idéia do avião...

- Já começou errado! O cara não teve a idéia do avião... A energia criativa manifestou o avião através do passaporte que é o cara... A propriedade intelectual não é do cara, mas sim, dessa energia criativa que se manifestou através do passaporte que é o cara! Sacou? O manifesto veio através do não-manifesto... Veio através desse grande anônimo de mil nomes! Que não tem nome, que não tem palavra e que, portanto, não está no tempo!... Então vem o "eu" e se apropria indevidamente da manifestação e diz: "eu é quem criei!" e com isso, reforça a si mesmo...

- Percebi... O eu cria a ilusão de que foi ele quem criou e não a ação dessa energia amorosa criativa que se manifesta sem buscar por nenhuma espécie de recompensa, o que em sua essência é amor, não é isso!

- Eu compreendo dessa forma! Essa energia amorosa e anônima manifesta o não-manifesto para a melhoria de vida da raça-humana, já esse eu, busca pela melhoria de suas próprias condições! Ele visa somente o próprio bem-estar e não o bem-estar comum! Percebe? Ele cria os "direitos autorais, as patentes" para poder mercantilizar e levar vantagem!

- Agora saquei! O não-manifesto, manifesta a idéia do avião através do passaporte e esse passaporte deturpa a idéia do avião e a usa para jogar uma bomba sobre uma cidade e garantir poder! Que sacada!

- Percebeu? O cérebro que está sujo macula o que é inocente, puro! O cérebro condicionado corrompe! O "eu" não quer ser apenas uma passaporte, ele quer se apropriar do porte, ele não deixa o porte passar, ele quer pegar para ele. Como o "eu" quer dar sustentação para a própria imagem, se apropria indevidamente do porte passado pelo não-manifesto. É por isso que o eu é sempre uma mercadoria de segunda mão!

- Isso é muito louco!

- Por que não posso ser um anônimo? Por que não posso ser apenas um passaporte? Por que vou me organizando como "o tal", o proprietário, o intelectual? Por que não posso ser um anônimo, ou seja, apenas um instrumento pelo qual essa energia sem nome possa se manifestar? Não, eu tenho que me organizar como tal! Quero ser manchete de jornal, ser entrevistado pelo Jô Soares! Quero correr atrás dos "meus" direitos autorais... Isso é de autoria "minha", do JR! Não é uma manifestação gratuita dessa mente!... Não, o eu quer dizer que é de sua propriedade! Quando eu digo que essa idéia é "minha", já está embutido o medo por detrás dessa palavra e sem perceber, o eu que busca por segurança, vive num eterno ciclo de insegurança: "será que alguém vai copiar a minha idéia? Como posso protegê-la?" Percebe!

- Claro!

- Ai, por causa da preocupação excessiva consigo mesmo, cessa o fluir dessa energia criativa e o eu passa a ser uma mera máquina de copiar! Como uma pessoa que tem medo pode ser uma pessoa livre para manifestar o não-manifesto? O que ela pode manifestar é tão somente o que já foi manifesto só que de forma um pouco mascarado! É por isso que existem tantos livros de auto-ajuda que em nada ajudam!

- É fato!

- Bem Celsão, eu gostaria de continuar nossa conversa mas tenho que dar um bom trato aqui na loja! Você não me leva a mal?

- Que nada! Volto outra hora para a gente terminar essa conversa!

- Você vai estar ocupado na parte da tarde?

- Não! Estou na boa!

- Então vem aí lá para as 16:00 horas que eu pago o café e continuamos esta conversa. Pode ser?

- Na veia! Combinado! Mais tarde passo aí! Valeu irmão!

- Cuide bem do passaporte que você é! Até mais!

13 junho 2007

Brincadeira de matar

(...)

- Então, deixe-me ver se eu entendi bem sua pergunta... Você quer saber se eu comemorei o dia dos namorados? Por que eu deveria comemorar o dia dos namorados? Qual o sentido disso?

- Ah! Fala sério! Isso é bom demais, dá um toque de cor em nossa vida cinzenta!

- Ah, sim! Até parece que você não me conhece!

- Já sei a resposta. Perguntei só para encher o saco! Só estou brincando!

Risos.

- Nem de dia dos namorados eu gosto!

- Minha filha foi para o shopping e disse que lá estava lotado! Uma loucura! Não tinha lugar para estacionar o carro, disse que ficou 40 minutos procurando vaga!

- Pois é, e o bairro vazio!...

Ficamos vários minutos em silêncio. Deu para perceber que o silêncio estava lhe incomodando pelo fato de ficar batendo a chave contra o vidro do balcão. De repente exclamou:

- Você ficou sabendo o que teve na Av. Paulista neste final de semana? Teve a "Parada Gay". Lotou, mais de três milhões de pessoas. A Paulista estava forrada dos dois lados!

- Você foi até lá?

- Eu não! Assisti pela televisão! Esta cada vez mais aumentando o número de gays assumidos.

- Pois é, gays assumidos!...

Novamente manifestou-se aquele silêncio de quando não se tem mais nada para se falar...

- Você não me parece bem... Está com algum problema?

- Peguei uma forte gripe e estou com a cabeça pesada e o corpo todo dolorido. Parece que trombei com um elefante!

- É ruim ter que ficar na loja com gripe não é mesmo?

- Fazer o que? Tenho contas para pagar!

- E não é chato por causa dos clientes?

- A gente disfarça, afinal de contas, foram eles que me trouxeram a gripe até aqui!

- É bem provável que foi alguém que entrou aqui!...

Novamente o silêncio, que agora não era total devido o som do escapamento de um carro de boy.

- E aí? Tem feito alguma coisa de bom? Visto algum filme novo?

- O último que assisti foi o "Dejavu".

- Ainda não assisti. É bom?

- Valeu pela pipoca que ganhei na locadora!

- Não está no cinema? Está na locadora? Pensei que ainda estava no cinema!

Mais longos minutos de silêncio!...

- É ruim trabalhar com gripe não é mesmo?

- Se é!

- Quando fico assim como logo um dente de alho; ajuda muito!

Mais longos minutos de silêncio torturantes!...

- Sabe o que eu fiz neste final de semana? Você não vai acreditar!

- Se não vou acreditar nem me conte!

- Não, não, faço questão de contar! Fui jogar Paint Ball, já jogou?

- Nunca tive o mínimo interesse!

- É aquele esporte de guerra!

- Sim, esporte!...

- Meu sobrinho foi comemorar lá o seu aniversário de 16 anos... Chamaram-me na última hora... Estava faltando uma pessoa para completar aí me chamaram...

- Então chamaram você por que estava faltando uma pessoa... Não te chamaram por que realmente queriam sua presença... Você foi como uma tapa buracos, não é isso?

- Não é bem assim!

- Entendo!...

- Levei um tiro, só um, que me acertou aqui na coxa... Deixa eu te mostrar o estrago... Está vendo esta mancha roxa de quase 5 cm de diâmetro? Pois bem, é o resultado de uma bolinha só. Meu cunhado levou quatro dessas na lateral das costelas. Está tudo roxo...

- Esporte!... Entendo!

De repente nossa conversa foi interrompida por um senhor com certa dificuldade no falar...

- Eu não vou comprar não! Só quero saber se o senhor tem algum livro do Buda?

- Hoje senhor, não tenho nenhum livro do Buda!

- Eu pensei que fosse fácil de encontrar. Aqui o nosso povo está terrível, selvagem, matando os pais, matando os filhos, matando os irmãos, a namorada... Não existe mais respeito! O japonês já é diferente, por isso que eu quero um livro do Buda! O japonês é um pouco mais equilibrado!

- Não sei não! Por acaso o senhor assistiu aquele filme sobre o ataque a Pearl Harbor? Viu algum equilíbrio naquilo? E o que dizer do índice de suicídio entre os jovens japoneses?

- Eu estou falando dos nossos japoneses, eles são diferentes dos demais!

- Ah, sim! Entendo!...

- Obrigado assim mesmo!

- Obrigado senhor, precisando disponha! Tenha um ótimo dia!

O silêncio se manifestou novamente enquanto observávamos o velho senhor retirar-se da loja...

- Viu, voltando ao que eu estava falando, olha só... Eu levei só um tiro, um só e olha só como é que ficou – e isso por que já estou a três dias passando pomada!...

- Gostou do "esporte"?

- Na hora ficou só uma marquinha... À noite!... Estava tudo roxo!

- Que beleza de esporte!

- Não fui lá por causa do esporte; fui lá para conhecer!

- Pois bem, agora você pode afirmar que está com o conhecimento à flor da pele e com uma flor bem roxa!

- Pior é que no mês que vem o pessoal vai novamente! Só que desta vez eu não vou! É muito caro! Creio que o pessoal deixou por volta de uns R$500,00 nessa brincadeira...

- Belo esporte!

Ele continuou durante uns quinze minutos explicando-me como era o local, as roupas, as armas, as bolinhas e tudo mais com a maior empolgação, mesmo eu já tendo demonstrado a minha falta de interesse sobre tal esporte. Fiquei na expectativa que em determinado momento ele cometesse um deslize e começasse a falar um pouquinho de si e que saísse da superficialidade do esporte Paint Ball. Ficou só na expectativa mesmo! Quando eu pensava que ele havia esgotado tal assunto, começou a me falar das regras do jogo. Lá se foram mais 10 minutos de Paint Ball... Justamente comigo que estava lendo o livro do Krishnamurti, chamado "Fora da Violência"...

- O que não gostei é que havia várias crianças com menos de 10 anos jogando esse esporte agressivo...

- E quantas crianças acima dos 40 estavam jogando?

- Aí é diferente! O problema são as crianças. Esse tipo de esporte incentiva a violência!

- Você acha errado a prática de um esporte que incentive a violência!

- É claro!

- Então, por que é que foi jogar? Por que desembolsou R$20,00 para isso?

- Fui só para conhecer! Eu tenho controle, só gastei esse valor! O pessoal não! Deixaram a carteira no local!

- Entendo! Só para conhecer... Com controle...

- Essas crianças, amanhã ou depois podem estar ai no meio das ruas querendo fazer igual ao que fazem lá!

- Entendo! As crianças...

- O pior é que se você quiser marcar para este final de semana, não consegue; tem que marcar com quase um mês de antecedência, de tanto que é a procura...

- Acredito! Mau gosto não é exclusividade de poucos!... A vontade de matar virou esporte!

- Você não faz idéia do quanto que o esporte é procurado e de como o pessoal gasta com a compra das armas e demais acessórios... As armas são muito parecidas com as de verdade! A mais barata custa quase R$900,00 e você precisa ver como tem saída!

- Entendo! R$900,00, barata...

Novamente o silêncio, só que desta vez foi mais breve...

- Vou nessa! Outra hora passo com mais calma! Estimo suas melhoras!

- Obrigado!







O fenômeno da energia pura: um poder além da vida!

Eram por volta das 10:00 horas da manhã, quando da sacada de minha casa pude avistar o velho Celso, em sua montain bike colorida. Apesar da temperatura média, usava uma grossa blusa de lã verde e carregava nas costas, sua surrada mochila repleta de cacarecos.
- Bom dia Celsão! Agora sei de onde vem esse cheiro de carne assada! Você está doente? Por que essa blusa de lã?
- Sei lá! Já estou acostumado! Você está muito ocupado? Dá para a gente tomar aquele cafezinho filosófico? Hoje eu pago!
- Agora é que não dá para recusar. Espere um minuto enquanto prendo meu cachorro no quintal dos fundos.
- Ok, vai lá!
Meu cão está com seis meses de idade e uma das suas peripécias é comer tudo que aparece pela frente e tem a estranha mania de fazer seu cocozinho e espalhá-lo por todo canto da casa. Está sendo bastante difícil de condicioná-lo a fazer suas necessidades sempre no mesmo canto quando não estamos por perto. Até parece que faz isso para chamar a atenção. Quando estamos por perto, sempre procura o mesmo cantinho da casa.
- Vamos lá! E então? O que descobriu? Algo de novo ou continua tudo no velho?
- Cara, estive pensando naquela conversa que tivemos na semana passada sobre o pensamento condicionado. A coisa está ficando profundamente clara para mim, ainda mais depois que li os textos do Krishnamurti que estão no site da Cuidar do Ser. Cara, estou perplexo! Agora entendo por que você sempre frisava a total desnecessidade de se colher conhecimento psicológico. Está tudo lá, só não vê quem não quer. Faz todo sentido! A xícara para ser útil tem que estar vazia... Bateu com aquele filme que você me indicou, "O Poder Além da Vida"... Fantástico JR! Identificação total! Fiquei perplexo com a clareza de pensamento do Krishnamurti. Em todos os textos que li, não consegui encontrar sequer uma contradição. O cara saca tudo! Quanto ao filme, me vi em quase toda cena. Percebi como estou condicionado nessa viagem no tempo psicológico, passado, futuro e a total incapacidade de estar centrado no presente com a totalidade do meu ser. Meu pensamento foge para todos os lados... Você não vai acreditar, mas ontem, depois que percebi isso, quando caiu essa ficha, comecei a ficar com um puta cagaço!
- Por que?
- Cara, lembra-se da cena, logo no começo do filme em que aparece o menino tendo as pernas estilhaçadas?
- Sim, o que é que têm?
- Caiu para mim como uma luva. No misticismo, os pés e as pernas simbolizam a compreensão do homem e o conhecimento adquirido pelos caminhos por onde passou. Vi essa cena simbolizada pela necessidade de estilhaçar de vez o passado morto, exatamente como num texto do Krishnamurti, chamado, Liberte-se do Passado. Para mim fez todo o sentido. Foi aí que comecei a entrar numa confusão danada, numa espécie de crise de identidade... Quem sou eu sem o conhecido? Para onde vou? O que vai me dar segurança? Aí quando aparece aquela cena do menino em cima da torre do colégio, tentando segurar desesperadamente a imagem que ele tinha dele mesmo, aí é que a coisa ficou preta... Comecei a entrar em pânico. Fiquei com medo de estar enlouquecendo! Apesar de ver a lógica tanto nos textos como no filme, confesso que fiquei com medo.
- Ficou ou está?
- Tenho que ser sincero, ainda estou! Parece que estou fazendo uma lobotomia, uma lavagem cerebral... Tem momentos em que minha cabeça chega a doer pra cacete! Meu pensamento fica dizendo que vou ter um derrame, que vou enlouquecer, que vou parar num sanatório, que é melhor parar com isso tudo, que você não passa de um maluco e que se eu continuar, vou acabar como você!
- Eu te compreendo! Já vivi isso na pele! Você está com medo de atravessar esse portal... Isso é normal. Lembro-me que quando comecei a ler os textos do K, fui apresentado para um senhor que era um dos responsáveis pela conferência das traduções feitas dos textos do K aqui no Brasil. Esse senhor, de fala mansa e suave, sentado naquela cadeirinha branca da loja, olhou em meus olhos e me perguntou:
- JR, o que você está buscando nos textos do Krishnamurti?
- Sr. Laerte, busco encontrar respostas para os meus conflitos existenciais.
Ele deu um leve sorriso, passou a mão em seus poucos cabelos grisalhos e me respondeu de maneira um tanto amorosa:
- JR, tenha bastante cuidado! Krishnamurti não vai lhe dar nada, absolutamente nada. No entanto, quando você menos esperar, olhará em volta de você e perceberá que ele lhe arrancou tudo que lhe era conhecido e que proporcionava uma idéia falsa de segurança. Ele vai estilhaçar suas muletas psicológicas, vai limpar sua mente da poeira e do mofo do conhecimento disfuncional que você carrega em suas células cerebrais, em sua memória. Portanto, tenha cuidado!
- Celsão, confesso que aquele alerta amoroso, por um lado, me encheu de medo, e por outro, foi como que um desafio para seguir em frente. Lembrei-me da expressão bíblica: "não se pode colocar vinho novo em odres velhos". Hoje, esse medo já não existe mais, no entanto, confesso que quase enlouqueci quando me vi sem chão, sem crença, sem deus, sem muletas, sem organizações, quando me vi só comigo mesmo e a minha confusão. Hoje tenho a absoluta certeza de que a essência da maturidade é ser uma luz para si mesmo, como dizia o K.
- É exatamente isso que senti ontem a noite JR!
- E o que você pensa fazer agora?
- Cara, não tem mais como voltar!
- É verdade Celsão! Uma vez aberta as portas da consciência torna-se impossível fechá-las novamente! Se minha experiência pessoal valer para alguma coisa, fique tranqüilo que você não vai enlouquecer de forma alguma, ao contrário, o que está acontecendo com você é um caminho de volta. É um processo que vai te tirar da loucura coletiva em que você vinha vivendo e que se você for bastante sério, vai te levar para você mesmo, para aquilo que você realmente é e não para aquilo que você idealizou sobre você!
- Cara, isso é coisa de maluco!
- Não Celsão, isso é a verdadeira comunhão dos santos... Não se assuste com o preconceito da palavra santo. Não me refiro a imagem religiosa que essa palavra evoca. Santo, para mim, é aquela pessoa dotada de inocência, que não tem sua mente maculada por nenhuma forma de condicionamento, que é pura. Só a pessoa santa, ou seja, portadora de sanidade mental é que pode ser realmente útil. Para você não se assustar com essa palavra, faça o seguinte: pegue aí um guardanapo de papel...
- Pronto!
- Agora escreva a palavra "santidade" excluindo a letra "t"...
- Caracas! Sanidade...
- Pois é! E tem sempre gente dizendo que não quer virar santo! Você acredita!
- Cara, como estamos limitados pela palavra!
- Bota limitação nisso! Acho que vou pedir mais um café!
- Fique a vontade! Quer comer alguma coisa!
- Não, obrigado! Mas, continuando, ontem caíram umas fichas para mim!
- Diga! Meu orelhão está ficando adicto de fichas!
- Tive uma sacada que me veio de repente. Me vi funcionando em duas fases de energia, uma no 110 watts e a outra no 220 watts. A minha parte mecânica, aquela que faz as coisas do cotidiano, que está presa na rotina diária, trabalha no 110 watts e é responsável pelo meu desgaste físico que pode ser revigorado durante o sono. O problema está na outra fase, a do 220 watts... Essa é aquela parte minha que é prisioneira dos pensamentos compulsivos, acelerados, condicionados e que causam um grande desgaste mental e também corporal. Cheguei à conclusão que acabo gastando 330 watts da minha potência e creio que é justamente isso que faz com que cheguemos ao stress. Como funcionamos acelerados, essa parte do 220 watts não consegue ser uma peça útil para identificar possíveis desgastes desnecessários nas ações do cotidiano. Lembra-se daquele filme com o John Travolta, chamado "O Fenômeno"?
- Sim lembro! Aquele em que o cara tem um despertar da inteligência e seu cérebro começa a funcionar numa intensidade desconhecida de todos!
- Pois bem! Lembra-se daquela cena em que ele começa a estudar o tempo e a energia desperdiçada pelas pessoas no tramite das atividades diárias? Lembra-se que ele chega a diminuir em quase duas horas os serviços do carteiro da cidade?
- É verdade cara!
- Onde quero chegar com isso? Imagine você, que ao invés de gastarmos esses 220 watts, conseguíssemos fazer com que o pensamento fosse usado somente como um servidor de confiança, nas horas em que realmente fosse necessário... O que aconteceria? - Haveria menos perda de energia.
- Sim, tanto na fase 110 watts como na fase 220 watts. O que aconteceria então?
- Haveria energia concentrada!
- Muito bem, haveria uma espécie de dínamo... Sabe o que significa essa palavra? De "dínamo" vem também dinamite... Significa "potência, "força" e a "dinamite" é uma força explosiva num corpo que está inerte... O corpo inerte é o cérebro condicionado... Sacou?
- Cara, isso é muito louco e faz todo o sentido!
- Sem esse dínamo, não tem como haver a concentração de energia necessária para que ocorra aquela explosão mental totalmente criativa... Isso está completamente claro para mim... Disso não haveria stress, uma vez que a energia estaria sempre se renovando em si mesma...
- JR, lembra-se daquele outro filme, "Energia Pura"?
- Isso mesmo, já ia chegar lá!
- Lembra-se como o garoto conseguia movimentar a energia?
- Movimentar não Celsão! Era como se ele fosse um só com ela! Lembra-se da capacidade mental que ele tinha?
- Sim! É isso que quero dizer! Usamos uma minúscula parte do nosso cérebro e o pior de tudo, é que nem essa parte usamos com propriedade! Faz sentido!
- Isso me levou numa visão unificada desses três filmes que comentamos até agora: Qual é "O Fenômeno" capaz de nos fundir a essa "Energia Pura", capaz de nos proporcionar "Um Poder Além da Vida" medíocre que hoje levamos?
- Grande pergunta!
- Achou mesmo? Então pague o nosso café, vá para casa e, como no filme "O Poder Além da Vida" só volte aqui quando tiver algo de novo para me falar, algo que você não tenha tirado do velho lixo do conhecido que você carrega em seu cabeção. Já que você não tem um carro velho para sentar em cima e pensar, serve sua velha mountain bike mesmo!

12 junho 2007

Conversas básicas com um insatisfeito 100% assumido

flanelinha
Foto: NJRO

Já estava quase encerrando o horário comercial bancário, quando soou o telefone. Para dar uma pausa na minha insatisfação, do outro lado da linha, um velho amigo, também insatisfeito crônico como eu. Há um bom período de tempo já estávamos sem nos comunicar, uma vez que tenho me abstido de ficar no MSN, do modo como antes ficava. Como tenho me dedicado à escrita, pouco tempo tem me sobrado para esse tipo de contato virtual. Nunca fui muito de ficar falando ao telefone, ainda mais agora que as finanças andam bem apertadas. Ele havia me ligado no domingo, por volta das 15:00 horas, no entanto, não pude lhe dar a atenção devida pelo fato de estar com visitas em casa...
- Maurão?... Cara, que bom que você ligou! Desculpe-me por não ficar muito tempo no telefone com você no domingo. Eu estava num almoço com um casal de amigos! Mas diga lá, o que é que você manda?
- Não mando nada! Só liguei para saber como está, uma vez que sumiu e se depender de você, por telefone é que não vamos mesmo nos falar!
- Desculpe-me por lhe responder com a pergunta "o que é que manda"... É que a maioria das ligações que recebo não estão imbuídas do sincero espírito de preocupação com a minha pessoa, mas sim, quase sempre, motivadas pela expectativa de que eu possa solucionar algum interesse pessoal dos que ligam... Ando meio farto disso, principalmente por parte da família. Dá para contar nos dedos as vezes que ligaram somente por que estavam com saudades minha.
- Sei muito bem como é isso! Hoje, minha família resume-se no meu pai, que se lembra de ligar para mim somente no meu aniversário ou em alguma data social. Fora isso, não existe relação. Isso é uma das coisas que mais me ressinto hoje: a dificuldade de manter verdadeiros relacionamentos, aqueles que vão muito além das conversas políticas no balcão de uma padaria qualquer ou do tapete da sala de estar. Vejo que a maioria das pessoas morrem de medo de se relacionarem, fica tudo na superfície... Sinto falta de "conversas nutritivas", sinto falta de intimidade. Essa superficialidade social é um verdadeiro deserto e acho que estou de certo modo, morrendo de sede!...
- E bota sede nisso! Compactuo dos seus sentimentos meu amigo! Até que ultimamente tenho sido abençoado pela visita de vários amigos evolutivos, o que tem me proporcionado boas conversas, as quais tenho tentado compartilhar através do meu Blog.
- Tenho passado por lá! Tenho gostado muito dos textos, principalmente aqueles em que você retrata suas conversas com aquele carinha da bicicleta... - Ah! O Celsão! Esse é dos nossos! Outro insatisfeito! Precisamos marcar uma tarde aqui em casa para vocês se conhecerem! 100% insatisfeito! Sofre de alergia crônica aos condicionamentos sociais! Quando o conheci, estava um tanto revoltado, mas era uma revolta não inteligente... Agora não! Parece que está mais centrado. Acho mesmo que isso faça parte do processo. Lembra-se? Nós mesmos já vivemos esse tipo de revolta... Quando isso rolou comigo quase que o meu fígado foi para o saco!
- E quando rolou comigo, quase que eu é que fui pro saco!... Lembra-se?
- Oh, se lembro! Nem me fale! Eta período dificinho! Confesso que morria de medo que você fizesse uma besteira! Eu mesmo tive várias vezes a vontade de dar um "Game Over", como você sempre dizia. Ainda bem que escolhi apostar mais umas fichas! Mas isso já é passado! Creio que hoje já dá para questionar sem se revoltar! O lance é a rebeldia inteligente e não a revolta inconseqüente!
- Sem dúvida! Hoje estou mais de boa! Só na observação do que é! "O que é", é isso mesmo e acho que não vai mudar nunca. Vai ser sempre assim: banalidade, mediocridade, superficialidade, mesmice e o script social básico... Falando nisso, tenho prestado atenção num fato interessante...
- Diga!
- Você já percebeu que vira e mexe a sociedade vem sempre com uma frase nova?
- Para ser sincero, não tinha parado para ver isso não!
- Pois é! Agora a frase da moda é: "Tô na correria"...
- É mesmo!
- Têm outras que também estão bem na moda, tais como: "Fala sério!", "Tô perdido, não me siga!", "Tô na luta"... Só que tudo isso fica só no modismo, não há uma consciência real sobre o que contém todas essas frases... O cara pede para falar sério, mas ele mesmo não têm seriedade... O cara diz que está perdido, mas nem passa na cabeça dele a realidade desse fato... Está tão perdido que nem sabe que está perdido, e, o pior, é que ainda fala dando risada!
- É vero!
- Apesar de eu estar mais relax, ainda continuo com as mesmas questões que não se cansam de rodar neste cabeção... Liguei também para saber se você já encontrou respostas para aquela velha perguntinha de sempre... Diz aí prá mim: é só isso que viemos fazer nesta merda de planeta?... Pagar os carnezinhos, contas, daí comprarmos algo no qual achamos necessário, mas que é totalmente descartável e depois ficarmos esperando a morte chegar, com aquela veia entupida oriunda de alguma gordura sintetizada em laboratório multinacional?
Risos...
- Esse é o velho Mauro de sempre! Desculpe-me, mas, para essas perguntas, ainda não tenho respostas claras! Mas continuo como você, na observação!
- Eu por vezes fico me questionando se nós não estamos cobrando demais?
- Como assim Maurão?
- Será que não é só isso mesmo? Será que o lance não é se conformar como a grande maioria faz?
- O que? E terminar os dias assistindo Faustão, Gugu, Ratinho e Big Brother?... Tô fora!
- Cara, olho pros lados e só vejo neguinho doido atrás de prestígio, poder, sexo, contas, carnês e tudo mais que possa lhe dar certa respeitabilidade social... Isso para mim é muita mediocridade; não leva a nada! Já passei por essa estrada e não volto mais... O pedágio é muito caro e o fim dela, dá num brejo fedorento, sem vida!
- Conheço isso muito bem! Mas me recuso a acreditar que é só isso... Nem tem como! Já vivenciamos outra realidade. Tudo bem que foi uma amostra grátis, mas para mim, foi o suficiente para não me entregar nesse insano e egoesclerosado modo de vida!
- O que tem me ajudado é que ultimamente tenho viajado muito pela empresa, o que me dá a oportunidade de conhecer vários lugares, pessoas e culturas. No entanto, não me iludo com isso... Sei que logo logo tudo isso também vai virar rotina! Mas, até lá, estou curtindo!
- Maurão, eu estou por aqui, me assumindo como um cara 100% insatisfeito. É um barato como as pessoas reagem quando faço essa afirmação. Elas pensam que estou "deprê" quando afirmo isso. Não têm nada de "deprê"! O que tem é a real, o que é! Ninguém está a fim de ficar com a real, com o que é. Tenho percebido que a honestidade emocional assusta de tal maneira que algumas pessoas até preferem se afastar.
- Ah, JR! Precisa ter saco roxo para afirmar isso diante dos normóticos e mais saco roxo ainda para se assumir como 100% ateu e a toa.
- Vixi! Se falar isso, neguinho sair batendo em retirada, dizendo que você é endemoniado, que falta Jesus em seu coração, que você está com o capeta no corpo e toda aquela papagaiada proveniente de pessoas que possuem seus cérebros atados, feito marionetes sociais... Ninguém quer pensar sobre isso; dá dor de cabeça e para esse tipo de dor, não existe remédio nas prateleiras das farmácias não!
- Eu sei muito bem como é isso! É bem aquela frase que você vivia repetindo e que acabei colocando no site da Cuidar do ser: "Fomos treinados desde criança para sermos o que não somos... agora chegou o momento ser o que eu realmente sou e a lacuna que é criada entre o que sou e o que não sou é a sensação de solidão... É o lado escuro da alma".
- Um dos meus consolos JR, está numa das frases do Schopenhauer... "A solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais". Prefiro mil vezes buscar pelo excepcional a me conformar com essa mediocridade coletiva. Definitivamente, tô fora! Eu não troco o meu pior dia de hoje, pelo melhor dia de ontem! Se cheguei até aqui, vou pagar o preço para ver onde é que isso vai dar! Podem até me rotular de excêntrico, de anormal; isso já não me pega mais. Aliás, da normalidade, quero distância!
- Maurão, pode contar comigo que também estou nessa! Não vejo mal algum em ser um excêntrico, ou seja, ser um ser que não está no centro da sociedade, minha rotação é de outra natureza... Me considero um proscrito. Não quero ser mais um que se conforma em dizer que "está na correria"... Isso é o mesmo que dizer que não está pensando! Eu prefiro mesmo apostar as fichas na recuperação da minha individualidade original, mesmo que aos olhos dos outros, ou seja, visto como um cara esquisito. As pessoas falam as palavras, mas limitam-se na sua superficialidade. Elas não vão mais fundo em sua etimologia... Você alguma vez abriu um dicionário para ver o significado da palavra "esquisito"?
- Não JR!
- Pois bem, "esquisito" é o cara que não é usual, que é fora do comum, que é raro, precioso, fino, invulgar, excelente, delicioso, requintado, delicado, apurado... O que há de ruim nisso?
- Só não gostei muito do adjetivo "delicado"!
Risos...
- Legal JR! Agora tenho que desligar!
- Vê se aparece! Pode ter certeza que isto não é uma daquelas frases do script social básico para encerrar uma conversa! Já ia me esquecendo: obrigado pelas castanhas, estavam ótimas!
- Não por isso! Qualquer dias marcamos uma picanha no seu terraço... Como os normóticos dizem, "vou até aí te encher de carne... Um abraço por trás"!
- Se liga!
- Tenho que ouvir essas piadinhas direto aqui no meu local de serviço!
- Piadinhas de mau gosto, power point com frases de auto-ajuda, Jesus e outras babaquices mais, não é privilégio seu meu caro, pode ter certeza! Vê se se cuida!
- Mande um abraço prá Dé! Vou nessa!

A difícil arte de não opinar em questões alheias

Se existe uma coisa que me deixa puto da vida, é essa mania familiar de quererem ter a solução para os problemas que não lhe dizem respeito. Todos sabem dar soluções para os problemas dos outros, mas quando olhamos para as suas vidas, vemos uma enorme confusão...
Fico me perguntado do por que essa estranha mania de opinar em questões alheias?
Por que essa incapacidade de viver a própria vida e deixar o outro viver da maneira que escolheu?
Há vários anos, salvo quando me procuram para ouvir meu ponto de vista, não me meto na vida de nenhum deles, mas sempre, hora um e hora outro, estão sempre metendo o bedelho nas minhas questões...
O pior é que não fazem isso diretamente para mim (se o fizessem seria extremamente fácil de impor limites). Fazem justamente quando não estou por perto, nos ouvidos da minha sócia, a senhora minha mãe, que facilmente se deixa influenciar pelas "sábias palavras de ajuda"...
Quando acontecem essas invasões, minha reação ainda é um tanto explosiva e aí, quem sai como neurótico sou eu!
Se eu marcar, continuam mexendo no meu cérebro...
Mas, se eu pensar bem, verei que na realidade isso é uma verdadeira benção; isso vem a cada dia que passa, corroborar com o que sinto há um longo tempo:
"Estou no lugar errado e fazendo a coisa errada!"
Fica então a pergunta:
"Qual é o lugar correto e a ação correta?"
Quanto à isso, posso ficar tranqüilo, não vão saber opinar...
Não sabem nem mesmo para eles!

11 junho 2007

Quem mexeu no meu cérebro?

Desde que me conheço por gente, sempre me vi prisioneiro de uma infindável manifestação de ansiedade, medo, conflito, frustração e depressão.
Sou o primeiro de quatro filhos de um lar disfuncional, cuja atmosfera girava sempre em torno de muito medo, angústia, ansiedade, raiva e vergonha. Meu pai, durante décadas, tentou solucionar sues conflitos interiores através do alcoolismo, enquanto que minha mãe, embriagada emocionalmente pelo convívio com o meu pai, tentava manter em pé a frágil estrutura de um lar alcoólico. Eu era uma criança perdida entre outras duas crianças perdidas em seus corpos de adultos. Quando hoje, me perguntam quanto a minha formação, costumo responder em tom de brincadeira de que sou o resultado de um espermatozóide alcoolizado com um óvulo emocionalmente perturbado. Não estou querendo com isso encontrar culpados para a série de conflitos que vivenciei ao longo destas quatro décadas. Seria profundamente injusto da minha parte, afinal de contas, éramos sobreviventes de uma estrutura familiar/social disfuncional; vítimas de vítimas, perpetuando uma seqüência de inconscientes abusos seculares.
No entanto, acredito no poder do reconhecimento e validação dos abusos e condicionamentos que lentamente foram acabando com a originalidade e autenticidade do ser que somos nós. Não somos isso com o que nos identificamos com o passar dos anos e que apresentamos para os demais. Somos totalmente ignorantes quanto a nossa verdadeira realidade. Alguns de nós se orgulham da graduação cultural, do conhecimento e especialização que conquistaram com o decorrer dos anos, no entanto, se olharmos bem, não passam de verdadeiros analfabetos de si mesmos. É essa dualidade entre o que pensamos ser e o que realmente somos que nos mantém vitimas de uma infinidade de dolorosas manifestações físicas, psíquicas e emocionais. Isso me faz recordar uma frase que ouvi num dos vários (e caros) workshops que participei, na tentativa de facilitar a compreensão de mim mesmo:
"Leva-se apenas alguns minutos para se tirar a roupa que nos ajuda esconder nossas intimidades físicas dos demais. No entanto, de quanto tempo precisamos para nos despir das diversas capas de condicionamentos que escondem até de nós mesmos, nossa verdadeira intimidade?"
Olhar para a base da minha "deformação psíquica", com todos os seus abusos, que erroneamente chamam de "educação", foi para mim um dos primeiros degraus para o inicio da compreensão do meu condicionado modo de pensar e reagir. Posso afirmar de forma livre e espontânea que durante a maior parte da minha existência, nunca pensei por mim mesmo, fui como que um ser "pensado". Deixei-me hipnotizar pelo canto da sereia do pensamento coletivo condicionado. Fui um cego, surdo e mudo, uma vez que desconhecia minha própria, única e especial mensagem. Como um papagaio, limitei-me por anos e anos a repetir aquilo que ouvira de terceiros, sem a menor consciência do que fazia.
É por essas e outras que hoje afirmo ser a depressão uma das maiores bênçãos que o "homo demens" possa receber. Ela é uma espécie de aviso de que em algum lugar do passado (e se não estivermos atentos ainda hoje), permitimos que alguém mexesse em nosso cérebro. Permitimos que roubassem de nós a sensibilidade, a capacidade de inquirir que nos dá a capacidade de sermos "homo sapiens" e passamos de forma inconsciente a nos identificar com esse estranho e insano modo de vida perpetuado pela sociedade formada por um grande clã de homo demens.
Não existe a mínima possibilidade de se ter "sapiência" em meio do exercício de tamanha demência. E, a meu ver, uma das maiores manifestações da demência coletiva está em se manter no estágio infantil da crença. Como homo demens que fui, prisioneiro do sistema de crença coletiva, acreditei por anos e anos na idéia de um Deus externo capaz de me "salvar" dos males e conflitos criados pelo meu modo de ser, fundamentado numa série de comportamentos e reações condicionadas. Nenhum deus externo pode libertar o homo demens da influência continua da demência coletiva, por que essa própria "imagem" de deus, criada pelo pensamento coletivo condicionado, é uma mera ficção, ou seja, uma invenção imaginária, pura fantasia.
A demência que me refiro aqui é um estado velado de deterioração mental, que produz procedimentos insensatos, que não revelam bom senso, cuja característica fundamental é a dissociação e a fragmentação da personalidade e a perda de contato com a realidade, que por sua vez, gera graves distúrbios de afetividade. O Homo demens não consegue vivenciar um estado de verdadeira intimidade consigo mesmo e conseqüentemente com outro ser humano. É um eterno fugitivo do encontro consigo mesmo. É incapaz de usar o cérebro, o pensamento de modo inteligente.
Desde a mais tenra idade estive sendo fortemente influenciado e essa influência toda, acabou limitando o desenvolvimento do cérebro. A ciência já comprovou o fato de que o "homo demens" usa uma ínfima parte do potencial de seu cérebro. O cérebro, continua sendo um grande desconhecido de nós mesmos e é por causa disso que levamos uma vida medíocre, sem sentido e, portanto, disfuncional. Recuso-me aceitar que a função da existência seja esse medíocre movimento de correr atrás de cédulas impressas para o pagamento de carnês, boletos, contratos e ostentação de poder. Não creio que estamos vivendo a excelência de nosso ser, não fomos influenciados para isso, mas sim, para sermos meras máquinas de imitação em série.
Por mexerem em nossos cérebros é que falta-nos a inteligência criativa e amorosa, que nada tem a ver com a sagacidade que erroneamente chamamos de inteligência. Se você acha que isso pode ser chamado de inteligência, lhe convido para dar uma boa olhada, de olhos bem abertos para o que está acontecendo fora dos seus aposentos, e quem sabe até, dentro dos mesmos...
O que hoje se convencionou chamar de inteligência, não passa de interesse próprio, ou seja, puro egoísmo; uma manifestação egocêntrica que busca pela própria segurança mesmo que à custa da segurança alheia. A inteligência a que me refiro, não visa segurança própria, mas sim, o bem-estar comum. Essa inteligência é incapaz de se manifestar enquanto não olhamos com propriedade para o modo como nossos cérebros foram condicionados, limitados, atrofiados. Enquanto mantemos esses inúmeros condicionamentos, logicamente que nosso cérebro não pode funcionar de forma integral, mas tão somente, nos limites criados por tais condicionamentos.
Fica então a questão: como se libertar de tais condicionamentos?

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!